Características do contrato de arrendamento rural e sua (in)adequação na exploração de terras rurais para a geração de energia

Artigo elaborado pelo Aquino & Guerra Advogados em parceria com a Greener

 

A geração de energia renovável na matriz elétrica brasileira tem avançado significativamente diante do processo de transição energética e na busca por um modelo mais sustentável e diversificado. Nesse cenário, tem ganhado cada vez mais espaço e destaque as fontes solar fotovoltaica e eólica que, juntas, representam atualmente 24,19% da capacidade de geração centralizada do Brasil, conforme dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

A produção de energia solar fotovoltaica e eólica em grande volume, geralmente desenvolvida por investidores e empresas especializadas, envolve majoritariamente a utilização de grande área territorial para instalação das usinas solares e parques eólicos, que geralmente é incompatível com os ambientes urbanos. Além disso, o custo de aquisição imobiliária representa uma imobilização de capital significativa que, em muitos casos, pode inviabilizar o desenvolvimento do projeto.

Dessa forma, muitos investidores recorrem a alternativas contratuais que permitem a exploração do imóvel sem implicar na aquisição integral da propriedade, a exemplo de arrendamento rural, locação e direito real de superfície.

Cada uma dessas alternativas possui características próprias quanto a regulamentação legal, efeitos e forma de constituição/contratação. O presente texto apresenta breves considerações sobre o arrendamento rural, espécie de contrato muito empregada na exploração de terras rurais para a geração de energia fotovoltaica e eólica.

 

Definição

Instituído pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) e regulamentado pelo Decreto nº 59.566/66, o arrendamento rural é legalmente definido como:

Art. 3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.

Trata-se, portanto, de espécie contratual pensada para o desenvolvimento de atividades de natureza agrícola, agropecuária, agroindustrial ou extrativista e regulamentado muito antes de se imaginar a utilização de imóveis rurais para a produção de energia.

 

A utilização desse contrato e a geração fotovoltaica e eólica

Em razão da restrição legal quanto à utilização desse tipo de contrato, destaca-se que existem discussões sobre a adequação do contrato de arrendamento rural para a geração de energia fotovoltaica e eólica. Em 2018, o Colégio Registral Imobiliário de Minhas Gerais (CORI-MG) apresentou parecer indicando que o contrato de arrendamento rural não se adequa à atividade em questão, sugerindo a utilização dos instrumentos de locação ou constituição de superfície.

A pactuação do preço no contrato de arrendamento rural deve observar as disposições específicas da legislação, de forma que o preço do arrendamento não pode superar 15% do valor cadastral do imóvel, já levando em consideração as benfeitorias incluídas na composição do contrato. A exceção são os casos de arrendamento parcial, quando o objeto do contrato atingir apenas uma área específica selecionada para a exploração intensiva e de alta rentabilidade, hipótese em que a remuneração pode chegar a 30% do valor das áreas arrendadas (art. 95, inciso XII da Lei nº 4.504/64).

Além disso, a legislação estabelece prazos mínimos para o contrato de arrendamento, que variam entre 3 e 7 anos, com base na atividade a ser realizada no imóvel (art. 13, inciso II do Decreto 59.566/64). Considerando que os investimentos para geração de energia solar fotovoltaica são vultuosos e com resultados obtidos a longo e médio prazo, essa especificidade do arrendamento deve ser observada, mas comercialmente não representa um óbice à sua utilização.

Destaca-se, ainda, que o art. 23 do Decreto nº 59.566/66 prevê a possibilidade de que, na sucessão causa mortis, sendo o imóvel rural partilhado entre diversos herdeiros, qualquer um deles poderá exercer o direito de retomar sua parte do imóvel, sendo assegurado ao arrendatário o direito à renovação quando os herdeiros não tiverem interesse na retomada.

Ao arrendatário, assegura-se o direito de preferência na aquisição do imóvel em igualdade de condições com terceiro, devendo o proprietário notificar-lhe para exercer a preferência (art. 92, § 3º da Lei nº 4.504/64). Contudo, em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou o Informativo nº 583 expressando o entendimento de que o direito de preferência no arrendamento não é aplicável à empresa rural de grande porte (arrendatária rural), o que consequentemente pode representar uma fragilidade do contrato de arrendamento para aquele que realiza grandes investimentos no imóvel.

Observa-se ainda que a venda ou imposição de ônus real ao imóvel não interrompe o prazo de vigência dos contratos de arrendamento, ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante (art. 92, § 3º da Lei nº 4.504/64). Diferentemente da locação, a lei não exige publicidade do contrato de arrendamento através do registro no cartório de imóveis para assegurar a continuidade do contrato em caso de venda do imóvel durante seu prazo de vigência. Contudo, em razão do entendimento manifestado pelo STJ no Informativo mencionado acima, preocupa a possibilidade de afastamento dessa prerrogativa ao arrendatário que for empresa de grande porte.

A legislação não exige forma para o contrato de arrendamento rural, o que pode inclusive ser celebrado verbalmente. Contudo, quando celebrados por estrangeiro, empresa estrangeira autorizada a funcionar no Brasil ou ainda empresa brasileira com capital social majoritariamente controlado por estrangeiro, os contratos de arrendamento deverão ser formalizados por escritura pública, conforme art. 433 do Código de Normas Nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Além disso, para lavratura da escritura, será exigida autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) (art. 435 do Código de Normas Nacional). Muitos investimentos em energia no Brasil são realizados por investidores estrangeiros, consequentemente, essas exigências do CNJ, notadamente a autorização do INCRA, podem impactar na utilização do contrato de arrendamento nesse tipo de operação.

 

Conclusão

Os aspectos abordados sobre o arrendamento rural demonstram um alto grau de dirigismo estatal, relacionado ao objetivo do Estatuto da Terra de promover a reforma agrária a distribuição justa da propriedade fundiária (MIRRA; 2025).

Essa espécie de contrato não foi pensada para a exploração de terras rurais para a geração de energia, de forma que suas características precisam ser consideradas no momento de estruturação do negócio, sendo necessário realizar uma análise de adequação e, eventualmente, optar por outras alterativas mais seguras como a constituição do direito real de superfície.

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Referências

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MIRRA, Leandro. Lei da liberdade econômica e o Estatuto da Terra: Contratos agrários. 2025. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/depeso/423846/lei-da-liberdade-economica-e-o-estatuto-da-terra-contratos-agrarios>. Acesso em: 03 fev. 2025.

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Dentro do contexto dos investimentos em usinas, o aspecto imobiliário é crucial para a viabilidade e segurança de um projeto. Investidores rotineiramente exploram imóveis sem adquiri-los de forma integral e o arrendamento rural é um exemplo muito utilizado no setor fotovoltaico.

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