Considerações sobre o uso do contrato de locação em projetos de geração de energia

Artigo elaborado pelo Aquino & Guerra Advogados em parceria com a Greener

 

Os investimentos na produção de energia renovável têm crescido no Brasil, destacando-se a energia fotovoltaica e eólica, em razão das condições naturais favoráveis do país.

Conforme já abordado em artigo anterior, a instalação de usinas solares e parques eólicos exige a utilização de grandes áreas de terra, às quais os investimentos ficam vinculados. Assim, durante o desenvolvimento do projeto, é necessário definir a modalidade contratual que será empregada na exploração dessas terras.

Dessa forma, no presente artigo, serão apresentadas breves considerações sobre a utilização do contrato de locação de imóveis rurais para a produção de energia fotovoltaica e eólica.

 

Definição

O contrato de locação possui regras gerais estabelecidas pelo Código Civil, mas a locação de imóveis urbanos, seja para fins residenciais ou não residenciais, é regulamentada de forma específica pela Lei nº 8.245/1991 (Lei de Locações).

Contudo, os parques solares e eólicos demandam áreas extensas, sem obstrução à circulação dos ventos e à incidência da luz solar. Consequentemente, os empreendimentos costumam ser instalados em áreas rurais, o que leva à discussão sobre a adequação dos contratos de locação para o desenvolvimento dessas atividades.

Como abordado no artigo anterior, no qual tratamos do contrato de arrendamento rural, a utilização temporária dos imóveis rurais é regulamentada pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), que estabelece modalidades contratuais específicas.

Entretanto, tem prevalecido na doutrina o entendimento de que a classificação do imóvel como rural ou urbano para fins de aplicabilidade da Lei de Locações deve ser realizada com base nas atividades nele desenvolvidas.

Dessa forma, ainda que o imóvel esteja situado em área rural, se utilizado para o desenvolvimento de atividades que não tenham natureza agrária, pode ser objeto de locação com base na Lei nº 8.245/1991.

Nesse mesmo sentido, manifestou-se o Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (CORI-MG) em parecer divulgado no ano de 2018, indicando a viabilidade da utilização do contrato de locação de imóveis rurais para o desenvolvimento de atividades comerciais ou industriais, em razão da natureza das atividades desenvolvidas. Os tribunais também têm recorrido ao critério da destinação e reconhecido a possibilidade de incidência da Lei de Locações em contratos que têm como objeto imóveis rurais.

 

Os contratos de locação e a geração fotovoltaica e eólica

Assim, para a utilização do contrato de locação em imóveis rurais para a produção de energia, é aconselhável incluir no contrato a manifestação expressa das partes, declarando que as atividades a serem desenvolvidas no imóvel não possuem natureza agrícola, não se adequando às formas contratuais estabelecidas no Estatuto da Terra, e, ainda, definir expressamente que devem ser aplicadas as disposições da Lei nº 8.245/1991.

No contrato de locação não residencial, as partes podem pactuar livremente o preço do aluguel, desde que não seja estipulado em moeda estrangeira nem vinculado à variação cambial, conforme o art. 17 da Lei nº 8.245/1991. Assim, distingue-se do contrato de arrendamento rural, que possui limites para a fixação do valor do aluguel.

As partes podem celebrar o contrato por prazo indeterminado ou por prazo determinado, sendo certo que, devido aos grandes investimentos empregados no desenvolvimento de parques solares e eólicos, sugere-se sempre a estipulação de um prazo contratual determinado e suficiente para obter os retornos decorrentes do investimento.

Quanto a esse aspecto, é importante destacar que se o prazo do contrato de locação for de 10 (dez) anos ou mais, como é comum nos negócios que estamos tratando, é necessária a vênia conjugal (art. 3º da Lei nº 8.245/1991), ou seja, a manifestação de concordância do cônjuge do locador. A ausência da vênia conjugal não torna nulo ou anulável o negócio, mas o cônjuge que não anuiu com a locação pode pleitear judicialmente a ineficácia do contrato em relação ao prazo excedente.

Nesse cenário, o investidor, além de ter que enfrentar uma demanda judicial, pode não conseguir manter o contrato de locação pelo prazo inicialmente previsto, prejudicando o retorno dos investimentos realizados. Ademais, é importante atentar para as situações de união estável, pois, embora a Lei de Locações não trate especificamente dos companheiros, há uma forte tendência de equiparação entre os seus direitos e os direitos do cônjuge.

O contrato de locação não impede a venda do imóvel. Contudo, o comprador do imóvel pode manter a locação ou optar por denunciar o contrato, concedendo um prazo de 90 (noventa) dias para a desocupação. Tal situação deixa o locatário vulnerável, principalmente em um contexto no qual grandes investimentos foram realizados no imóvel.

A possibilidade de denúncia da locação, contudo, fica afastada se o contrato de locação for celebrado por prazo determinado, contiver cláusula de vigência e estiver averbado na matrícula do imóvel, conforme estabelece o art. 8º da Lei nº 8.245/1991. Embora existam precedentes afastando a necessidade de averbação do contrato junto à matrícula do imóvel, notadamente nos casos em que o comprador tinha ciência do contrato de locação, é recomendável que sempre se promova a comunicação da existência da locação na matrícula do imóvel para trazer mais segurança jurídica.

A Lei de Locações também estabelece para o locatário o direito de preferência na aquisição do imóvel em igualdade de condições com terceiros, cabendo ao locador dar ciência do negócio ao locatário, que poderá exercer o direito de preferência no prazo de 30 (trinta) dias, conforme as disposições do art. 27 e seguintes da Lei nº 8.245/1991.

Caso o locador não oportunize ao locatário o exercício do direito de preferência na forma legal, o locatário poderá reclamar indenização pelos danos suportados. Contudo, se o contrato estiver averbado na matrícula do imóvel pelo menos 30 (trinta) dias antes da alienação, há uma maior proteção para o locatário, que poderá adquirir o imóvel, pagando o preço e as despesas da transferência (art. 33 da Lei nº 8.245/1991). O registro tem o condão de dar publicidade ao contrato e atribuir-lhe eficácia real.

Ressalta-se que a averbação e o registro de cláusulas constantes do contrato de locação na matrícula do imóvel dependem de requisitos estabelecidos nos códigos de normas estaduais, podendo haver variações entre os estados. O Código de Normas de Pernambuco, por exemplo, atualmente exige apenas a apresentação do contrato assinado pelas partes e por duas testemunhas, com firmas reconhecidas, e que exista a coincidência entre o nome de um dos proprietários registrais e o locador.

A auditoria imobiliária pode auxiliar na verificação do preenchimento desses requisitos, notadamente em relação à identificação dos proprietários dos imóveis, visto que na realidade brasileira muitos imóveis rurais não estão regularizados e muitos sequer possuem registro no cartório, o que é fundamental. Afinal, a “alegação de impossibilidade de registro do contrato, ainda que provada, não preenche o requisito peremptório da lei” (2º TACSP, Ap. c/Rev. 263.672 – 6ª Câmara, Rel. Juiz Sílvio Venosa, 25-4-90).

 

Recomendações finais

No presente artigo, traçamos breves considerações sobre o contrato de locação, destacando aspectos que merecem ser observados quando da sua utilização em operações de geração de energia em razão dos grandes investimentos realizados nesse tipo de projeto, o que torna necessário assegurar ao investidor a manutenção do contrato pelo prazo pactuado para que obtenha os retornos projetados. A utilização do contrato de locação é uma escolha que faz parte do desenvolvimento e estruturação do negócio e deve ser analisada no caso concreto.

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Referências

ESTADO DE PERNAMBUCO. Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Pernambuco. PROVIMENTO N. 11, de 12 de julho de 2023. Atualiza o Código de Normas dos Serviços Notariais e Registrais do Estado de Pernambuco. Disponível em: < https://portal.tjpe.jus.br/documents/d/corregedoria/codigo-de-normas-compilado-novo-29-10-2024-pdf>. Acesso em 28 fev. 2025.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm> Acesso em 03 de fev. 2025.

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JR., Luiz Antonio S. Lei do Inquilinato – Comentada Artigo por Artigo – 3ª Edição 2021. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. E-book. ISBN 9788530992040. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530992040/. Acesso em: 27 fev. 2025.

MINAS GERAIS. Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (CORI-MG). PARECER nº 001/2018. Parecer jurídico sobre a necessidade de utilização dos instrumentos de locação ou instituição de direito de superfície nos casos de transmissão da posse de imóvel rural para a instalação de usinas de geração de energia fotovoltaica. 2018

VENOSA, Sílvio de S. Lei do Inquilinato Comentada – Doutrina e Prática – 16ª Edição 2021. 16. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2020. E-book. ISBN 9788597026474. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788597026474/>. Acesso em: 27 fev. 2025.

Veja também:

Características do contrato de arrendamento rural e sua (in)adequação na exploração de terras rurais para a geração de energia

Dentro do contexto dos investimentos em usinas, o aspecto imobiliário é crucial para a viabilidade e segurança de um projeto. Investidores rotineiramente exploram imóveis sem adquiri-los de forma integral e o arrendamento rural é um exemplo muito utilizado no setor fotovoltaico.

Mas você sabe qual a definição desse modelo e os seus riscos? O Aquino & Guerra Advogados, em parceria com a Greener, desenvolveu um artigo sobre essa espécie, o primeiro de uma série de conteúdos acerca dos diferentes formatos de contratos imobiliários explorados pelo setor. Leia o artigo completo.

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