Considerações sobre o direito real de superfície e seu uso em projetos de geração de energia

Artigo elaborado pelo Aquino & Guerra Advogados em parceria com a Greener

 

Em publicações anteriores, abordamos a utilização do contrato de arrendamento rural e do contrato de locação de imóveis rurais para o desenvolvimento de projetos de geração de energia fotovoltaica e eólica. No presente artigo, apresentamos breves considerações sobre o direito real de superfície, que também é amplamente utilizado por investidores na estruturação de seus projetos, mas que possui natureza e regulamentação jurídica completamente distintas.

O direito de superfície “é o direito real que constitui o direito de construir ou plantar em imóvel alheio, durante determinado tempo, assumindo o superficiário a posse própria e podendo usá-lo ou fruí-lo livremente”. Ou seja, com a constituição do direito de superfície, o proprietário do imóvel restringe os poderes que pode exercer sobre a coisa e transfere tais poderes para um terceiro, o superficiário, que poderá utilizar a superfície do imóvel (o solo) para construir ou plantar.

Diferentemente da locação e do contrato de arrendamento, que são relações obrigacionais, vinculando apenas as partes envolvidas, o direito de superfície é um direito real. Nos direitos reais, existe um vínculo jurídico entre o titular do direito e a coisa, o qual produz efeitos que devem ser observados por todas as pessoas, mesmo aquelas que não participem diretamente da relação jurídica. Embora seja possível registrar contratos de locação e, em alguns casos, o arrendamento rural, no registro de imóveis para sua publicidade a terceiros, não se configura um direito real, que só existe nos casos expressamente previstos em lei.

 

Definições

O direito de superfície está regulamentado pelos artigos 1.369 a 1.377 do Código Civil, que estabelece a necessidade de sua constituição por tempo determinado e restringe a utilização do solo, permitindo obras no subsolo apenas quando essenciais ao objeto da superfície, como, por exemplo, as fundações da edificação ou a construção de uma garagem no subsolo. Vale ressaltar que o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 2001) traz disposições específicas aplicáveis aos imóveis urbanos, permitindo a instituição do direito de superfície por tempo indeterminado e no solo, subsolo ou espaço aéreo.

Por se tratar de um direito real, a constituição do direito de superfície deve ser realizada por meio de escritura pública lavrada pelo tabelionato de notas, com o devido registro no cartório de registro de imóveis. Além disso, a transmissão de direitos reais pode ensejar a cobrança do imposto de transmissão de bens intervivos, cuja instituição e regulamentação competem ao município. As formalidades legais exigidas representam custos para a constituição do direito de superfície, os quais devem ser analisados pelos investidores.

Com a constituição do direito de superfície, o direito de propriedade sobre o imóvel continua a existir, mas de forma limitada pelo direito de superfície, de modo que o proprietário não pode embaraçar o uso do imóvel pelo superficiário. Somente se o superficiário destinar o terreno de maneira diversa da previstas, poderá a concessão ser resolvida antes do prazo ajustado.

Nesse contexto, o contrato celebrado entre as partes para a constituição da superfície assume grande relevância, pois estabelece regras para regulamentar a coexistência desses direitos. É fundamental para especificar, por exemplo, a atividade a ser realizada pelo superficiário no imóvel, a destinação das benfeitorias após o fim da vigência do contrato e o prazo que assegure o retorno dos investimentos realizados, permitindo a antecipação da regulamentação de eventuais situações de conflito entre as partes.

O direito de superfície não impede a venda do imóvel pelo proprietário, contudo o adquirente deverá respeitar o direito de superfície já constituído. Além disso, em caso de alienação do imóvel sobre o qual se constituiu o direito de superfície, o Código Civil assegura ao superficiário o direito de preferência em igualdade de condições com terceiros. Por outro lado, no caso da alienação do próprio direito de superfície, também se assegura ao proprietário do imóvel o direito de preferência, devendo os investidores observarem essa previsão legal em situações de alienação do direito de superfície entre pessoas jurídicas.

A constituição do usufruto pode ser gratuita ou onerosa, cabendo às partes definir se o pagamento será realizado de forma parcelada (mensal, semestral, anual, etc.) ou por meio de uma única parcela. Na transmissão do direito de superfície a terceiros, seja de forma gratuita ou onerosa, o proprietário do imóvel não fará jus a nenhuma remuneração. Deve-se observar que, assim como sua constituição, a transmissão do direito de superfície, por ser um direito real, também deve ser formalizada por escritura pública com registro.

Extinguindo-se o direito de superfície, o proprietário retorna à plenitude de seus poderes sobre o imóvel, retomando o direito sobre o terreno, a construção e a plantação realizadas pelo superficiário, independentemente de qualquer indenização, salvo se as partes pactuarem o contrário. Mais uma vez, o instrumento contratual firmado assume papel relevante, pois pode regulamentar o encerramento do contrato, prever indenizações, a retirada de equipamentos, as condições e o estado de devolução da superfície do imóvel.

 

Conclusões e aplicabilidades em investimentos de geração de energia

Ressalta-se que, por se tratar de um direito real, eventual hipoteca ou ônus que recaia sobre o imóvel após a constituição do direito de superfície não atingirá o direito do superficiário, que é oponível a todos. Em 2018, o Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (CORI-MG) emitiu parecer recomendando a constituição do direito de superfície para a exploração de terras rurais destinadas à geração de energia fotovoltaica e eólica, por conferir maior garantia ao titular, pois estabelece uma relação direta com o imóvel.

Embora a constituição do direito de superfície envolva custos que não estão presentes nos contratos de locação e arrendamento rural, o que deve ser considerado pelos investidores no caso concreto, em termos gerais, essa modalidade é a que garante mais segurança jurídica para a implementação de projetos de geração de energia.

 

Referências

BOCZAR, Ana Clara Amaral Arantes; GABRICH, Frederico de Andrade. Contratos utilizados na exploração de terras rurais para a geração de energia fotovoltaica. Revista Brasileira de Direito Empresarial, Encontro Virtual, v. 7, n. 1, p. 20 – 40, Jan/Jul. 2021. Disponível em: https://indexlaw.org/index.php/direitoempresarial/article/view/7709. Acesso em: 24 mar. 2025.

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BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 25 de mar. 2025.

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LÔBO, Paulo Luiz Neto. Direito Civil – Volume 4 – Coisas.  9ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024.

MINAS GERAIS. Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (CORI-MG). PARECER nº 001/2018. Parecer jurídico sobre a necessidade de utilização dos instrumentos de locação ou instituição de direito de superfície nos casos de transmissão da posse de imóvel rural para a instalação de usinas de geração de energia fotovoltaica. 2018

SILVA, A. L. M. DO REGIME DE CONCESSÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE. REVISTA DA AGU, [S. l.], v. 8, n. 20, 2017. Disponível em: https://revistaagu.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/279. Acesso em: 24 mar.

Veja também:

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